quinta-feira, 7 de abril de 2011

Comentario do aluno

Meu comentario sobre o livro quatro contos relada uma pura emoção na história  da carta roubada para saber quem robou a carta dos aposentos . Antes de ler o livro , eu percebi que não iria gostar do livro , mas faleu a pena que o livro quatro contos é uma pura aventura e romace . 

Coméntario da Família

Minha família acho que o livro quatro relada uma história de puro romance entre o casal Della e Jim é os misterio da carta roubada , sociedade dos ruivos e Rip Van Winkle .O livro traz a inteligencia e convivencia dos personagens reunidos , o livro traz palavras faceis de entender e 62 paginas de puro romance . 

Biografia dos autores

O.HENRY - Nasceu em 1862, na Carolina do Norte, e faleceu em 1910, em Nova York. De origem pobre [estudou sozinho, por si mesmo], passou anos de dificuldades econômicas. Foi preso e começou a escrever contos,publicados no jornais,obtiveram grande sucesso.
   Edgar Allan Poe - Nasceu em 1809, filho de um casal de atores pobres. Criado pelo rico comerciante John Allan [de quem adotaria o nome], teve uma educação primorosa e foi desde cedo notado pelo talento extraordinário, a um caráter difícil e rebelde, causa de sua expulsão de vários colégios.
  Arthur Conan Doyle - [1859-1930] nasceu em Edimburgo [Escócia] e morreu em Cowborough [Inglaterra]. Diplomou-se em medicina e exerceu a profissão durante algum tempo. Escreveu romances históricos e estudo sobre fenômenos paranormais, mas seu sucesso como escritor deveu-se a suas novelas policiais.
  Washington Irving - [1783-1859] era filho de um rico comerciante de Nova York. Encaminhou-se para o estudo do direito, mas logo revelou seu gosto pelas viagens e pela atividade literária. Viveu dezessete anos na Inglaterra e foi embaixador dos Estados Unidos na Espanha, país que é cenário de várias de suas narrativas.

Apresentação de Washington Irving

                                                          Rip Van Winkle
Washington Irving
Adaptação de Paulo Sérgio de Vasconcello

Quem  quer  que  tenha  subido  pelo  rio  Hudson  deve lembrar-se das montanhas Kaatskill, que se avistam ao longe. Cada mudança  de  estação  e  de  tempo  e  cada  hora  do  dia  provocam alguma  mudança  nas  cores  e  nos  contornos  mágicos  dessas montanhas.  Todas  as  boas  esposas  da  região  as  tomam  como barômetros, pois, de acordo com sua aparência, conseguem prever o tempo.
 Ao pé dessas belas montanhas, o viajante pode avistar fumaça se erguendo lentamente  de  uma aldeia cujos telhados  brilham  por entre  as  árvores. É  uma  aldeia muito  antiga,  que  foi  fundada  por algum colonizador holandês.
 Nessa aldeia e em uma dessas casas  (que, a bem da verdade, eram muito antigas e castigadas pelo mau tempo), vivia, há muitos anos, quando os Estados Unidos ainda eram uma província da Grã-Bretanha, um homem simples e bom chamado Rip Van Winkle.
 Era um vizinho exemplar e  um marido  obediente, completamente dominado pela mulher. Certamente devia a essa última circunstância  a  brandura  de  alma  que  lhe  conquistava  uma popularidade geral, pois são mais aptos a serem dóceis e conciliadores fora, esses homens que estão sob a disciplina de uma víbora dentro de casa.
 Rip  Van  Winkle  era  o  grande  favorito  entre  todas  as  boas esposas da aldeia; as crianças também gritavam de alegria sempre que  ele  se  aproximava.  Assistia  a  seus  jogos,  fabricava  seus brinquedos, ensinava-lhes a soltar pipa e atirar bolinhas de gude e lhes contava longas histórias de fantasmas, bruxas e índios. Aonde quer que ele fosse, era cercado por um bando deles, pendurando-se nas  suas  roupas,  subindo às  suas  costas e lhe  pregando mil  peças
impunemente. Nem um cachorro sequer, em toda a redondeza, latia para ele.
 O  grande  defeito  de  caráter  de  Rip  era  uma  insuperável aversão  a  qualquer  tipo  de  trabalho  útil. Não era  falta  de assiduidade  ou  perseverança,  pois  ele  seria  capaz  de  sentar  numa rocha úmida, com uma vara, e ficar pescando o dia todo, sem uma queixa, mesmo  que  sua isca  não  fosse mordida  nem  uma  só  vez.
 Carregaria ao ombro sua espingarda por horas seguidas, caminhando  por  bosques  e  pântanos,  subindo  e  descendo morros, para atirar em alguns poucos esquilos ou pombas selvagens. Jamais
se recusaria a ajudar um vizinho, mesmo nas tarefas mais duras. As mulheres  da  aldeia, também, tinham  o  costume  de  recorrer  a  ele para  pequenos  serviços  que  seus  maridos  menos  prestativos  não fariam  por  elas.  Numa  palavra,  Rip  estava  sempre  pronto  para
cuidar  dos  negócios  de  quem  quer  que  fosse,  exceto  dos  dele próprio. Mas cumprir os deveres para com a família e manter sua fazenda em ordem, ele achava impossível.
 De fato,  dizia  que  não  adiantava  nada  trabalhar  em  sua fazenda: era o pior pedaço de terra de toda a região. Tudo ali dava errado  e  daria  errado  apesar  dele.  Suas  cercas  estavam  sempre
caindo  aos  pedaços;  sua  vaca  sempre  se  perdia  ou  ia  parar  na plantação de couve. A erva-daninha certamente crescia mais rápido em  suas  terras  do  que  em  nenhum  outro  lugar.  A  chuva  fazia questão  de  cair  exatamente  quando  ele tinha  algum trabalho  para fazer  ao  ar  livre.  Assim,  a  propriedade  que  herdara  do  pai, diminuindo até ficar reduzida a pouco mais que um simples terreno com milho e batatas, era a  fazenda em piores condições de toda a
redondeza.
 Seus  filhos também andavam maltrapilhos e  selvagens como se não tivessem pais. Seu filho Rip, um moleque igualzinho a ele, fazia prever que ia herdar-lhe os hábitos, junto com as suas roupas velhas. Viam-no geralmente correndo como um potro atrás da mãe,
vestido  com  um  velho  par  de  calças  do  pai,  que  ele  tinha  muita dificuldade em segurar com uma mão.
 Rip Van Winkle,  porém, era  um  desses  felizes mortais bemhumorados,  sempre  de  bem  com  a  vida,  comendo  pão  branco  ou preto:  o  que  se  pudesse  conseguir  com  menor  esforço  ou
dificuldade. Preferia definhar com um centavo a trabalhar por uma libra. Se  deixado a  si mesmo, ele teria  passado a  vida a assobiar, com  perfeita  satisfação;  mas  sua  mulher  vivia  resmungando  nos seus ouvidos sobre sua preguiça, sua negligência e a ruína a que ele
estava levando sua família. De manhã, à tarde e à noite, sua língua estava em ação sem trégua, reclamando de tudo o que ele dizia ou fazia.  Rip  só  tinha  um  modo  de  responder:  encolhia  os  ombros, balançava  a  cabeça,  erguia  os  olhos,  mas  não  dizia  nada.  Isso,
porém, provocava uma nova enxurrada de queixas e só lhe restava, então, ir para fora de casa — o único lugar que realmente pertence a um marido dominado pela esposa.
 O  único  a tomar  partido  de Rip  em  seu lar  era  seu  cachorro Wolf,  tão  tiranizado  pela  Senhora  Van Winkle  quanto  seu  dono, pois aquela os via como companheiros de preguiça e olhava torto para  Wolf  como  se  ele  fosse  a  causa  das  perambulagens freqüentes  do 
marido.  A  verdade  é  que  Wolf  era,  sob  todos  os aspectos,  um  cachorro  digno;  era  corajoso —  mas  que  coragem podia enfrentar os constantes e esmagadores ataques de uma língua de mulher? Assim que Wolf entrava na casa, baixava a crista, com
o  rabo  entre  as  pernas,  olhando  atentamente  para  a  senhora  Van Winkle. Ao  primeiro  sacudir  de  um  cabo  de  vassoura  ou  de  uma concha, saía correndo para a porta, latindo.
 Foi ficando pior para Rip Van Winkle com o passar dos anos de  casamento. Um temperamento  azedo jamais  se  abranda  com  o tempo, e uma língua afiada é o único instrumento cortante que se torna  mais  agudo  com  o  uso  constante.  Por  muito  tempo,  ele costumava consolar-se, ao  ser expulso  de casa,  freqüentando  uma espécie  de  clube  dos  sábios,  filósofos  e  outros  personagens preguiçosos da aldeia. Suas sessões ocorriam num banco na frente
de  uma  pequena  pousada.  Ali  costumavam  se  sentar  à  sombra, durante  um  longo  e preguiçoso  dia  de  verão,  conversando distraidamente  sobre  mexericos  da  aldeia  ou  contando  histórias intermináveis  e  tediosas  sobre  coisa  nenhuma.  Se  lhes  caía  nas
mãos algum jornal deixado por um viajante de passagem, era lido arrastadamente  por  Derrick  Van  Bummel,  o  mestre-escola,  um homenzinho  vivo  e  instruído,  que  não  se  deixava  assustar  pela palavra  mais  gigantesca  do  dicionário.  Como  deliberavam sabiamente  sobre  acontecimentos  públicos  alguns  meses  depois que eles tinham ocorrido!
 As  opiniões  dessa  liga  eram  totalmente  controladas  por Nicholas Vedder, um patriarca da aldeia e dono da pousada, a cuja porta ele permanecia sentado de manhã até a noite, só se movendo para evitar  o  sol e continuar  sob a  sombra  de  uma  grande árvore.
 Assim,  os  vizinhos  podiam  saber  que  horas  eram  a  partir  de  seus movimentos,  de  uma  forma  tão  precisa  quanto  consultando  um relógio de sol. É verdade que raramente escutavam-no a falar, mas fumava  seu  cachimbo  sem  parar.  Seus  partidários,  porém, compreendiam-no  perfeitamente  o  que  ia  pela  sua  cabeça,  de acordo com o modo como ele fumava.
 Mas até mesmo desse refúgio o desafortunado Rip foi por fim expulso  pela  megera  da  sua  esposa,  que  irrompeu  de  repente  na tranqüilidade  da  assembléia  e  chamou todos  os  seus membros  de inúteis.  Nem  aquela  venerável  personagem,  o  próprio  Nicholas
Vedder, foi poupado da língua atrevida dessa terrível víbora, que o acusava de encorajar os hábitos preguiçosos do marido.
 O  pobre  Rip  se  viu  por  fim  quase  reduzido  ao  desespero;  e sua  única  alternativa  para  escapar  do  trabalho  da  fazenda  e  da gritaria  da  mulher  era  pegar  sua  espingarda  e  perambular  pelas florestas. Aqui ele algumas vezes se sentava ao pé de uma árvore e
dividia o conteúdo de sua bolsa com Wolf, com quem simpatizava como  um  companheiro  de  sofrimento.  “Pobre Wolf”,  dizia,  “sua dona dá a você uma vida de cão, mas não se preocupe, meu amigo: enquanto  eu  viver,  você  nunca  sentirá  falta  de  um  companheiro para  ficar  a  seu lado!” Wolf  abanava  o  rabo,  olhava  atentamente para  o  rosto  do  seu  dono  e,  se  cães  podem  sentir  piedade,  eu acredito realmente que ele demonstrava os mesmos sentimentos do
dono com todo seu coração.
 Numa dessas longas andanças, num belo dia de outono, tinha escalado,  sem  dar  por  isso,  uma  das  partes  mais  altas  das montanhas Kaatskill. Estava  entretido  em  seu  esporte  favorito —
caçar  esquilos,  e  a  solidão  silenciosa  das  rochas  tinha  ecoado repetidamente  os  estampidos  de  sua  espingarda.  Ofegante  e cansado,  lançou-se  sobre  uma  colina  verde,  à  beira  de  um precipício. De uma abertura entre as árvores ele podia avistar toda
a  região  mais  abaixo,  a  grande  distância.  Viu  o  altivo  Hudson, longe, longe, movendo-se em seu curso silencioso mas majestoso.
 Do outro lado, avistou um vale profundo, selvagem, solitário e  eriçado;  o  fundo  estava  repleto  de  pedaços  de  rochas  e escassamente  iluminado  pelos  reflexos  do  sol  poente.  Por  algum
tempo Rip permaneceu ali, deitado, meditando sobre aquela cena.
 A  noite  estava  avançando  pouco  a  pouco.  As  montanhas começavam a lançar suas sombras azuis sobre os vales. Ele viu que escureceria  muito  antes  de  poder  chegar  à  aldeia  e  suspirou profundamente ao pensar nas ameaças da Senhora Van Winkle que
ele teria de enfrentar.
A  ponto  de  descer,  ouviu  uma  voz  chamando-o:  “Rip  Van Winkle!  Rip  Van Winkle!”  Olhou  ao  redor,  mas  não   conseguiu ver  nada  além  de  um  corvo  num  vôo  solitário  através  da montanha. Pensou que sua imaginação o enganara e se preparou de novo  para  descer,  quando  ouviu  o  mesmo  grito  soar  através  do calmo ar da noite: “Rip Van Winkle! Rip Van Winkle!” No mesmo momento,  Wolf  eriçou  os  pêlos  das  costas  e,  dando  um  fraco rosnado, refugiou-se bem junto do dono, olhando assustado para o vale. Rip agora sentia uma vaga apreensão. Olhou ansiosamente na mesma  direção  e  percebeu  uma  figura  estranha  escalando vagarosamente as  rochas  e  curvada  sob o  peso  de  algo  que carregava  às  costas.  Ele  ficou  surpreso  ao  ver  um  ser  humano naquele lugar solitário e deserto, mas julgando que era algum dos vizinhos precisando de sua ajuda, correu a oferecê-la.
 Ao  chegar  mais  perto,  ficou  ainda  mais  espantado  com  a singularidade  da  aparência  do  estranho.  Era  um  velho  baixo,  de fartos  cabelos  eriçados  e  barba  grisalha.  Vestia-se  à  antiga moda holandesa,  com  uma  jaqueta  e  vários  calções.  Carregava  aos
ombros  um barril,  que  parecia cheio  de licor, e  fazia  sinais a Rip para  que  ele  se  aproximasse  e  ajudasse  com  o  fardo.  Embora ressabiado  e  desconfiado  dessa  nova  amizade, Rip  o  fez  com  sua presteza habitual. Ajudando-se um ao outro, subiram um barranco,
que  parecia  o  leito  seco  de  uma  corrente  da  montanha.  Quando escalavam, Rip ouviu um barulho como que de um trovão distante.
 Parou  por  um momento, mas  supondo  que  era  um  desses trovões que anunciam uma pancada de água, prosseguiu. Chegaram a uma cavidade  que  parecia  um  pequeno  anfiteatro,  cercado  por precipícios e árvores. Durante todo o tempo,  Rip e seu companheiro  tinham  subido  a  montanha  em  silêncio.  Embora o primeiro  se  perguntasse admirado  qual a  razão  de  se carregar  um barril  de  licor  montanha  acima,  havia  algo estranho  e incompreensível no desconhecido que inspirava medo e impedia a intimidade da conversa.
 Ao  entrarem  no  anfiteatro,  apareceram  outros  motivos  de espanto. No centro havia um grupo de homens esquisitos jogando um antigo jogo de bola holandês. Vestiam, todos, roupas estranhas.
 Seus rostos, também, eram especiais. Um tinha uma grande barba, rosto  cheio  e  olhinhos  de  porco.  A  face  de  um  outro  parecia consistir inteiramente num nariz, encimado por um chapéu branco com  uma  pena  vermelha  de  galo.  Todos tinham  barba,  de  vários formatos e cores. Havia um que parecia ser o líder. Era um velho forte; tinha  um  chapéu  com  penas, meias  vermelhas  e  sapatos  de salto alto, com rosas. O grupo em seu conjunto lembrava a Rip as
figuras  de  uma  velha  pintura  flamenga,  que  ele  vira  na  sala  de Dominic  Van  Shaick,  o  vigário  da  aldeia, trazida  da  Holanda  no tempo da colonização.
 O que parecia particularmente estranho a Rip era que, embora aquelas pessoas estivessem se divertindo, mantinham no rosto uma expressão  das  mais  sérias,  o  mais  misterioso  silêncio:  era  a diversão  mais  melancólica  que  ele  já  tinha  testemunhado.  Nada interrompia  o  silêncio  da  cena,  exceto  o  ruído  das  bolas,  que,  ao rolar, ecoavam através das montanhas como barulho de trovão.
 Quando  Rip  e  seu  companheiro  se  aproximaram,  eles  de repente  desistiram  do  seu  jogo  e  o  encararam  com  um  olhar  tão fixo  de  estátua  e  com  rostos  tão  estranhos  e  sem  vida,  que  seu coração  disparou  e  seus  joelhos  se  chocaram  entre  si.  Seu companheiro esvaziava agora o conteúdo do barril em garrafões e fazia  sinais  para  que ele  servisse  o  grupo. Obedeceu com medo e tremendo; eles beberam o licor em profundo silêncio e retornaram
ao jogo.
 Pouco a pouco o medo e a apreensão de Rip diminuíram. Até se aventurou, quando nenhum olhar estava  fixado nele, a saborear o licor,  que tinha  o  gosto  das  melhores  bebidas  holandesas.   Era, por  natureza,  uma  alma  sedenta  e logo  se  viu tentado  a  repetir  a dose. Um  gole leva a  outro, e ele  repetiu  suas  visitas ao  garrafão tantas  vezes  que,  por  fim,  seus  sentidos  se  enfraqueceram,  seus olhos  se  turvaram,  sua  cabeça  foi  gradualmente  tombando  e  ele caiu num sono profundo.
 Ao acordar, descobriu-se na colina verde de onde tinha visto pela primeira vez o velho que vinha subindo a montanha. Esfregou os  olhos  —  era  uma  esplêndida  manhã  ensolarada.  Pássaros
saltitavam  e  cantavam  por  entre  a  mata.  “Com  certeza”,  pensou Rip,  “não  devo  ter dormido  aqui  a  noite  toda”.  Recordou  o  que acontecera antes de adormecer. O homem estranho com um barril de licor, o barranco, o retiro selvagem entre as rochas, o triste jogo de  bola,  o  garrafão.  “Oh!,  aquele  garrafão!  Maldito  garrafão!”, pensou  Rip,  “quantas  desculpas  eu  devo  pedir  à  Senhora  Van Winkle!”
 Procurou  por  sua  arma, mas  em  seu lugar  encontrou  apenas uma  espingarda toda  corroída de  ferrugem.  Suspeitava  agora  de que os homens da montanha tinham lhe pregado uma peça: depois de  o  embebedar  com  o  licor,  tinham  roubado  sua  espingarda.
 Também Wolf tinha desaparecido, mas bem podia ter corrido atrás de  um  esquilo  ou  de  uma  perdiz.  Assobiou  chamando-o  e  gritou seu nome, mas tudo em vão; os ecos repetiam seu assobio e grito, mas não se viu nenhum cachorro.
 Decidiu  revisitar  a  cena  do  dia  anterior  e,  se  encontrasse alguém do jogo, pedir seu  cachorro e sua espingarda. Ao se erguer, notou  que  suas  juntas  estavam  rígidas  e  mais  fracas  do  que  o normal. “Essas camas de montanha não são comigo”, pensou Rip, “e  se  eu  ficar  com  reumatismo, terei  de  agüentar  a  Senhora  Van Winkle  por  um  bom tempo”. Com alguma  dificuldade,  desceu ao barranco  onde tinha  estado  com  o  companheiro  na  véspera. Mas,
para  seu  espanto,  havia  agora  ali  uma  corrente  de  água  da montanha, saltando de rocha a rocha.
 Por  fim,  chegou  ao  que  era  o  anfiteatro, mas  não  encontrou nenhum  sinal da escavação que   havia antes. As rochas apresentavam uma parede alta, intransponível, sobre a qual corriam as  águas,  rodeadas  pelas  sombras  de  uma  floresta. Aqui,  então,  o pobre Rip  foi  obrigado a parar. De  novo assobiou e chamou  pelo cão,  inutilmente.  Que  deveria  fazer?  A  manhã  já  ia  alta,  e  Rip, sentindo  falta  do  café  da  manhã,  sentia-se  faminto.  Lamentava deixar  seu cachorro  e  sua  espingarda,  temia  encontrar  a  esposa, mas  não  podia morrer  de  fome  nas montanhas. Sacudiu a cabeça, pôs no ombro a espingarda enferrujada e, com o coração cheio de
preocupação e ansiedade, dirigiu seus passos para casa.
 Ao  se  aproximar  da  aldeia,  encontrou  algumas  pessoas, mas nenhuma conhecida, o que o surpreendeu um bocado, pois achava que  conhecia  todos  na  região.  Também  suas  roupas  eram  de  um tipo  diferente  daquele  com  o  qual  ele  estava  acostumado.  Todos olhavam  fixamente  para  ele, com  os mesmos  sinais  de  espanto,  e coçavam o  queixo. A  repetição constante desse  gesto levou Rip a fazer involuntariamente o mesmo e  foi quando, para sua surpresa, descobriu que sua barba tinha crescido um pé!
 Agora,  tinha  chegado  aos  limites  da  aldeia.  Um  grupo  de crianças desconhecidas correu atrás dele, gritando e apontando sua barba  grisalha.  Também  os  cães,  que  ele  não reconheceu, latiam para ele à sua passagem. Toda a aldeia tinha mudado. Estava maior e mais povoada. Havia  fileiras de casas que ele jamais tinha visto antes  e  as  que  lhe  eram  familiares  tinham desaparecido.  Havia nomes  desconhecidos  sobre  as  portas,  rostos  desconhecidos  às janelas;  tudo  era  desconhecido.  Duvidava  do  seu  próprio  juízo; começou a achar que talvez ele e o mundo a sua volta estivessem enfeitiçados. Certamente esta era  sua aldeia natal, que ele deixara
na  véspera.  Ali  se  erguiam  as  montanhas  Kaatskill,  ali  corria  o prateado  Hudson.  Rip estava  dolorosamente  perplexo.  “Aquele garrafão  de  ontem  à  noite”,  pensou,  “perturbou  a  minha  pobre cabecinha!”
Foi  com  alguma  dificuldade  que  encontrou  o  caminho  para sua casa, da qual ele se aproximou com medo silencioso, esperando a  cada  momento  ouvir  a  voz  estridente  da  Senhora  Van Winkle.
Encontrou a casa em ruínas: o teto caído, as janelas arrebentadas e as portas fora das dobradiças. Um cão meio morto de fome, que se parecia com Wolf, vagava por ali. Rip chamou-lhe pelo nome, mas o vira-lata  rosnou,  mostrou  os  dentes  e  foi  embora.  “Até  o  meu próprio cachorro”, suspirou o pobre Rip, “esqueceu-se de mim!”
Entrou na casa. Estava vazia e, segundo parecia, abandonada.
Chamou em voz alta pela esposa e filhos — os aposentos desertos ressoaram com sua voz por um momento e, então, tudo voltou ao silêncio de antes.
Correu para o seu velho  refúgio, a pousada da aldeia — mas ela  também  tinha desaparecido.  Estava  em  seu  lugar  uma construção  de  janelas  largas,  sobre  cuja  porta  estava  pintado:
“Hotel União,  de  Jonathan Doolittle”. Ao invés  da  grande  árvore que  costumava  proteger  a  calma  pousada  holandesa,  havia  um mastro com uma bandeira; nela, uma estranha mistura de estrelas e listras — tudo isso era incompreensível e estranho.
Havia, como sempre, uma multidão de pessoas perto da porta, mas nenhuma que Rip reconhecesse. Até o caráter do povo parecia mudado. Ao invés da calma habitual, as pessoas eram apressadas e agitadas. Procurou em vão pelo sábio Nicholas Vedder ou por Van
Bummel, o mestre-escola.
Rip, com  sua longa barba grisalha, sua espingarda enferrujada, sua  roupa grosseira logo atraiu a atenção dos homens do  hotel.  Cercaram-no,  olhando-o  dos  pés  à  cabeça  com  grande curiosidade. Perguntaram em quem ele tinha votado. Rip arregalou os  olhos,  sem  entender  nada.  Um  homem  puxou-o  pelo  braço  e perguntou  se  ele era  federalista  ou  democrata. Rip  não  conseguia entender  a  pergunta.  Por  fim  um  velho  lhe  perguntou,  em  tom grave, o que ele fazia numa eleição com uma arma ao ombro e uma multidão  a  segui-lo  e  se  ele  queria liderar  uma  revolta  na  aldeia.
“Ai!, senhores”, exclamou Rip, “eu sou um pobre coitado, pacífico, natural  deste lugar”. E  o  pobre  homem assegurou,  humildemente, que  não  pretendia  armar  confusão  mas  que  viera  ali  apenas  para procurar  alguns  dos  seus  vizinhos,  que  costumavam  reunir-se
naquele lugar.
“Bem,  quem  são  eles?”,  ouviu-se  perguntar,  “Diga  seus nomes”.
Rip pensou por um momento e indagou: “Onde está Nicholas Vedder?”
Houve silêncio por um instante, até que um velho respondeu: “Nicholas Vedder? Está morto e enterrado há dezoito anos! Havia uma lápide  de madeira,  no cemitério,  que contava tudo  sobre ele, mas apodreceu e sumiu”.
“Onde está Brom Dutcher?”
“Oh,  alistou-se  no  exército,  logo  no  começo  da  guerra;  uns dizem que ele morreu em combate, outros que se afogou. Não sei, ele nunca mais voltou”.
“Onde está Van Bummel, o mestre-escola?”
“Alistou-se  também,  foi  um  grande  general  e  agora  está  no Congresso”.
O coração de Rip se partiu ao ouvir essas tristes mudanças e ao ver-se assim, sozinho no mundo. Cada resposta o confundia, em se tratando  de tão  grandes lapsos  de tempo e  de  assuntos  que  ele não  conseguia  entender.  Não  tinha  coragem  de  perguntar  por outros  amigos,  mas  gritou  desesperado:  “Ninguém  aqui  conhece Rip Van Winkle?”
“Oh, Rip Van Winkle!”, exclamaram dois ou três, “Oh, claro!
Aquele ali, encostado na árvore, é Rip Van Winkle”.
Rip olhou e avistou uma réplica exata de si mesmo no tempo em  que  ele  subiu  a  montanha.  O  pobre  coitado  estava  agora completamente confuso. Duvidava  de  sua  própria identidade,  sem
saber  se  era  ele  mesmo  ou  um  outro  qualquer.  Em  meio  a  esse embaraço, perguntaram-lhe quem ele era e qual era seu nome.
“Só  Deus  sabe”,  exclamou.”  Não  sou  eu  mesmo...  sou  uma outra pessoa...aquele ali é que sou eu...não... alguém tomou o meu lugar...  Eu  era  eu  mesmo  a  noite  passada,  mas  adormeci  na montanha  e  mudaram  minha  espingarda  e  tudo  mudou,  e  eu mudei, e não sei dizer qual o meu nome ou quem sou eu!”
Os que estavam presentes começaram então a olhar um para o outro, balançavam a cabeça, piscavam os olhos e passavam o dedo pela testa  para  dar  a  entender  que  o  homem  estava  doido.  Nesse momento,  uma  bela  mulher  abriu  caminho  na  multidão  para  dar
uma  olhada  no  velho  de  barba  grisalha.  Trazia  nos  braços  uma criança  gorducha,  que,  assustada  com  o  olhar  de Rip,  começou  a chorar. “Quieto, Rip”, gritou ela, “quieto, seu bobinho; o velho não vai machucar você”. O nome da criança, a aparência da mãe, o tom
de sua voz, tudo despertava um monte de recordações na mente de Rip. “Qual é o seu nome, minha boa mulher?”, perguntou.
“Judith Gardiner”.
“E o nome do seu pai?”
“Ah,  pobre  homem, Rip Van Winkle  era  seu  nome, mas  faz vinte anos que ele saiu de casa com sua espingarda e nunca mais se ouviu  falar  dele...  Seu  cachorro  voltou  para  casa  sozinho, mas  se ele  se matou  ou  se  os índios  o  raptaram,  ninguém  pode  dizer. Na
época, eu era uma garotinha”.
Rip só tinha mais uma pergunta a fazer, mas a fez com a voz tremendo:
“Onde está sua mãe?”
“Oh, ela também morreu, mas há pouco tempo;  rebentou um vaso  sangüíneo  num  acesso  de  cólera  contra  um  vendedor ambulante”.
Havia  naquilo  uma  ponta  de  consolo.  Não  pôde  se  conter mais.  Abraçou  sua  filha  e  o  filho  dela.  “Sou  seu  pai!”,  gritou.
“Jovem  Rip  Van  Winkle,  em  outros  tempos...velho  Rip  Van
Winkle, agora!...Ninguém reconhece o pobre Rip Van Winkle?”
Todos  ficaram  admirados,  até  que  uma  velha,  destacando-se da  multidão,  colocou  sua  mão  na  sobrancelha  e,  olhando atentamente para o rosto de Rip por um momento, exclamou: “Não
resta dúvida! É Rip Van Winkle... é ele mesmo! Bem-vindo em sua volta para casa, velho vizinho. Mas onde você esteve nesses vinte longos anos?”
A história de Rip  foi narrada brevemente, pois os vinte anos tinham sido para ele apenas uma única noite. Os vizinhos  ficaram espantados  ao  ouvi-la.  Viram-se  alguns  piscarem  o  olho  e  fazer sinal de que achavam o homem louco.
Decidiu-se, porém, ouvir a opinião do velho Peter Vanderdonk. Era o mais antigo morador da aldeia e conhecedor de todos os acontecimentos extraordinários da redondeza. Reconheceu
Rip  imediatamente  e  confirmou  sua  história  da  maneira  mais satisfatória. Assegurou  ao  grupo  que  era  fato  estabelecido  que  as montanhas  Kaatskill  eram  freqüentadas  por  seres  estranhos.  Seu pai  os  tinha  visto  uma  vez,  em  seus  antigos  trajes  holandeses, jogando  bola  numa  cavidade  da  montanha.  Ele  próprio  havia ouvido,  numa tarde  de  verão,  o  som  de  suas  bolas, como  barulho remoto de trovão.
Para encurtar a história, o grupo se desfez e voltou a cuidar de algo mais importante, a eleição. A filha de Rip o levou para morar em sua casa confortável e bem mobiliada junto com ela e o marido.
Rip lembrou  que ele era  um  dos meninos  que costumavam trepar às  suas  costas.  Quanto  ao  filho  e  herdeiro  de  Rip,  que  era  a  sua imagem,  trabalhava  na  fazenda,  mas  revelava  uma  tendência hereditária a só fazer o que lhe interessava.
Rip agora retomava seus velhos hábitos. Encontrou muitos de seus  antigos  companheiros, mas todos tinham  sofrido  os  estragos da passagem do tempo. Preferia fazer amigos entre a nova geração, entre a qual se tornou logo muito popular.
Sem  nada  para  fazer  em  casa  e tendo  chegado àquela idade feliz em que um homem pode ser preguiçoso impunemente, tomou lugar  mais  uma  vez  no  banco  junto  à  porta  da  pousada  e  era reverenciado como um dos patriarcas da aldeia. Levou tempo para conseguir  conversar  normalmente  ou  compreender  os  estranhos acontecimentos  que  tinham  ocorrido  durante  seu  sono.  Tinha havido uma guerra revolucionária, o país se libertara da Inglaterra e agora ele era um cidadão livre dos Estados Unidos. Na verdade, Rip  não  se  interessava  por  política;  as  mudanças  de  estados  e impérios  pouco  o  impressionavam;  mas  havia  uma  espécie  de tirania sob a qual ele sofrera muito tempo, a feminina. Felizmente chegara ao  fim; livrara  o  pescoço  do jugo  do matrimônio e  podia entrar  e  sair  quando  lhe  desse  na  telha,  sem  temer  a  tirania  da Senhora  Van  Rinkle.  Sempre  que  seu  nome  era  mencionado, porém, ele sacudia a cabeça, encolhia os ombros e erguia os olhos, o que podia passar por uma expressão de  designação para com seu destino ou alegria por sua liberdade.
Rip  costumava  contar  sua  história  a  todo  estrangeiro  que chegava  ao  hotel  do Senhor.Doolittle. Viam-no, de início, alterar certos detalhes cada vez que a contava, o que se devia, sem dúvida, ao  fato  de ter  despertado  há tão  pouco tempo. Mas, finalmente, a narrativa  fixou-se  exatamente  nos  moldes  em  que  a  narrei,  e nenhum  homem,  mulher  ou  criança  da redondeza  deixava  de  a saber  de  cor.  Alguns sempre duvidavam de sua veracidade e insistiam  em  que Rip tinha  perdido  o juízo. Os velhos habitantes holandeses, porém, acreditavam, quase todos, nela. Ainda nos dias de hoje, jamais ouvem uma trovoada numa tarde   de   verão   sobre o Kaatskill sem dizer que aquele grupo de homens estranhos estão jogando bola. E é um desejo comum a todos os maridos tiranizados pela esposa, na redondeza, quando a vida  se  torna  um  fardo,  poderem  beber  um  gole  repousante  do garrafão de Rip Van Winkle.

Apresentação de Arthur Conan Doyle



A SOCIEDADE DOS RUIVOS

Arthur Conan Doyle
Adaptação de Rogério Hafez

[I]

  No ano passado, num dia do outono, fui visitar meu amigo, o famoso detetive Sherlock Holmes. Encontrei-o na companhia de um cavalheiro gordo, de meia-idade e cabelos da cor de um vermelho muito brilhante, com quem ele conversavaseriamente.
  “Desculpe-me, Holmes”, eu lhe disse, constrangido pelaminha intrusão na conversa, “eu não sabia que você...”
  “Ora, Watson, entre aqui”, disse-me Holmes, oferecendo-melogo uma cadeira para lhes fazer companhia. “Você não nos incomoda. Pelo contrário, está chegando num ótimo momento.”
  “Tenho receio de que você esteja ocupado agora.”
  “Não se preocupe”, disse Holmes. E acrescentou, virando-separa aquele obeso cavalheiro: “Sr. Wilson, este homem tem sidomeu companheiro e assistente em muitos dos casos que puderesolver com sucesso. Não há qualquer dúvida de que ele tambémpoderá ajudar-nos em seu caso.”
  Com certa dificuldade, aquele homem obeso levantou-se desua cadeira e olhou para mim com muito cuidado, como se me examinasse.
  “Sr. Wilson, o senhor se importaria em contar a sua história novamente, desde o início?”, perguntou Holmes. “Parece-me que a sua história é na verdade um caso bastante singular, diferente de todos os outros que já pude conhecer em minha longa experiência, e eu desejo que o Dr. Watson ouça comigo todos os detalhes dela. No momento, eu ainda não saberia dizer ao senhor se há ou não em sua história algum sinal ou prova de um crime cometido.”
  O cavalheiro respirou profundamente, com um certo orgulho. Retirou então, de seu bolso, um velho jornal. Enquanto ele procurava, com cuidado, algo na lista de anúncios que estavam
numa das colunas do jornal, eu aproveitei esse tempo para observálo. Porém, o exame que eu dele fazia não me permitia concluir muitas coisas, pois o seu aspecto nada tinha de extraordinário e ele se parecia, afinal, com qualquer outro homem da classe média inglesa. A única coisa incomum, nele, era o seu cabelo ruivo, de
um vermelho que parecia realmente brilhar. Tenho certeza de que meu amigo Holmes, por sua vez, com o grande poder de observação que possuía, já poderia nesse momento descrever toda a história da vida e da experiência daquele homem, apenas olhando para as suas roupas, as suas maneiras de se comportar, e os muitos detalhes que compunham o conjunto de sua aparência.
  Holmes percebeu que eu examinava o Sr. Wilson, e sorriu-me discretamente. “Ah, já o encontrei. Aqui está o anúncio que eu procurava”, disse finalmente o Sr. Wilson. “Toda a história começa com este anúncio. Acho que o senhor pode lê-lo sozinho,

Sr. Watson." 
Então, eu peguei de suas mãos o jornal, e li o seguinte:

Sociedade dos Ruivos — Uma outra posição se abre para o
ingresso na Sociedade dos Ruivos. A Sociedade foi fundada há
alguns anos com o dinheiro deixado para esse fim pelo Sr. E.
Hopkins, do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos da
América. Os membros da Sociedade recebem um salário de 4
pounds3 por semana. O trabalho que têm na instituição é muito
pouco e não os impede de trabalhar em outro local. Podem
candidatar-se à posição de membro da Sociedade todos os homens
ruivos de Londres que tenham mais de vinte e um anos de idade.
Para se candidatarem, devem procurar o Sr. Duncan Ross nos
escritórios da Sociedade dos Ruivos, que se encontram na Rua
Fleet, número 7. O Sr. Duncan Ross estará recebendo os
candidatos apenas na próxima segunda-feira, às onze horas da
manhã.

  “Não entendo bem. O que significa isto?”, perguntei, depois de ter lido por duas vezes o anúncio, tentando compreender-lhe o sentido.
  Holmes sorriu novamente. Perguntou-me então, com o humor que habitualmente demonstrava quando começava a investigar um caso novo e interessante: “Parece bastante incomum, não?” E, voltando-se para o cavalheiro: “Sr. Wilson, conte-nos um pouco de sua vida pessoal e do impacto que teve sobre ela este anúncio que o senhor nos mostrou. Você deve ter notado a data do jornal, não é mesmo, Watson? Este anúncio foi publicado há exatamente dois meses.”

[II]

“Bem, como eu estava dizendo ao senhor, antes da chegada do Dr. Watson”, disse o Sr. Wilson, “eu tenho um pequeno negócio, uma casa de penhores. Empresto dinheiro às pessoas e recebo, como garantia de meus empréstimos, jóias, roupas e outros objetos pessoais. Minha loja está situada na Praça Coburg, bem perto do centro da cidade. Vivo, eu mesmo, nos poucos cômodos que ficam nos fundos de minha loja, nessa mesma casa. Devo dizer ao senhor que, nos últimos tempos, meus negócios não têm andado nada bem, e tem sido com muita dificuldade que tenho conseguido ganhar o meu sustento. Eu sempre tive em minha vida recursos para pagar dois ajudantes, mas agora posso contar com apenas um. Felizmente, esse ajudante aceitou trabalhar para mim recebendo apenas a metade do salário a que teria normalmente direito. Se eu
tivesse de pagar todo o seu salário, não poderia hoje tê-lo a meu lado como um empregado.”
  “Diga-me, Sr. Wilson: como se chama esse jovem ajudante que, tão gentilmente, aceitou trabalhar para o senhor recebendo apenas a metade do salário?”, perguntou Holmes.
  “Ele se chama Vincent Spaulding, e na verdade não é tão jovem como o senhor deve ter suposto. Ele não é um aprendiz nessa profissão e não sei, na realidade, qual é a idade que tem, mas é muito competente e trabalha de modo inteiramente satisfatório. Imagine o senhor que freqüentemente me pergunto por que
razão ele não me deixa e não procura uma colocação mais adequada às suas capacidades. Ele encontraria facilmente outro lugar em que poderia trabalhar, tenho certeza disso. Mas na verdade sou grato a ele e estou muito feliz com seu trabalho.”
  “Sim, de fato, tudo isso é bastante estranho”, disse Holmes. “Talvez tão estranho quanto esse anúncio que o senhor nos mostrou.” “Mas veja bem, acho que ele também tem os seus defeitos”, retomou Wilson. “Por exemplo: ele se interessa demasiadamente, a meu ver, pela técnica da fotografia. Nunca conheci ninguém assim. Ele gasta um tempo enorme, de fato, tirando as suas fotografias, em vez de se dedicar aos estudos ou trabalhar ainda mais. E depois ele é obrigado a descer ao nosso porão, onde permanece durante horas revelando os seus negativos.”
  “Ele ainda continua trabalhando com o senhor, eu suponho”, disse Holmes.
  “Ah, sim”, disse Wilson. “E foi ele também que, por coincidência, chamou a minha atenção para este anúncio da Sociedade dos Ruivos. Lembro-me muito bem: ele chegou um dia à loja com este mesmo jornal em suas mãos, dizendo-me:
‘Ah, Sr. Wilson, o senhor é que é um afortunado! Como eu gostaria de ser um homem ruivo!’”
  “Por quê?”, eu lhe perguntei.
  “Veja este anúncio: há uma nova vaga na Sociedade dos Ruivos. Parece, pelo que dizem, que o homem que consegue ser admitido nessa Sociedade acaba recebendo uma fortuna em dinheiro. Dizem que o salário é muito bom e que não é preciso trabalhar muito para fazer jus a ele. Eu dou a minha palavra ao senhor e lhe garanto que eu não acharia nada mal se, nesse instante, o meu cabelo mudasse repentinamente de cor e se tornasse ruivo.”
  “‘Mas... diga-me, de que tipo de trabalho se trata afinal?’, perguntei. ‘O senhor há de compreender essa minha curiosidade e a minha precária situação, Sr. Holmes: sou um homem muito caseiro e solitário, sei muito pouco do que acontece pelo mundo afora. Não tenho o costume de ler os jornais e, mesmo à noite, tenho o hábito de permanecer em casa. Não gosto de sair de casa.’”
  “Não me diga que o senhor nunca ouviu falar da Sociedade dos Ruivos...”, foi o que me perguntou nesse dia, com os olhos arregalados, o meu ajudante, Vincent Spaulding.
  E lhe respondi: “Não, nunca.”
  “Isso é muito curioso, ainda mais sendo o senhor um homem ruivo. Mas isso não tem importância, acho que o senhor talvez possa obter uma posição nessa Sociedade de todo modo”, ele disse.
  “E será que vale a pena? O que é que vou ganhar com isso?”, perguntei.
  “Bem, sendo admitido na Sociedade, o senhor ganhará cerca de duzentos pounds por ano. Acho que é muito dinheiro, sobretudo se o senhor pensar que o trabalho é bastante leve. Ele não exige quase nada dos membros da Sociedade, e parece que é possível conjugá-lo, ao mesmo tempo, com o trabalho que se tem normalmente em outro lugar.”
  “Vincent, diga-me tudo o que você sabe sobre esse trabalho”, eu lhe disse, pois estava ficando, naturalmente, bastante interessado nessa possibilidade de vir a ganhar algum dinheiro extra, ainda mais diante das dificuldades que eu venho enfrentando, como já expliquei aos senhores.
  “Bem, o senhor pode ler com os seus próprios olhos, basta ver este anúncio. A Sociedade dos Ruivos dispõe de uma vaga no momento, e aqui está o endereço para os candidatos se apresentarem. Toda a informação necessária está dada no anúncio: se eu o entendo bem, a Sociedade foi fundada por um estranho
milionário americano, o Sr. E. Hopkins, cujas maneiras eram de fato excêntricas e cujos cabelos eram, também, ruivos. Ele sempre teve uma enorme simpatia por todos os homens ruivos que conheceu na vida. Quando ele morreu, descobriu-se que ele havia deixado, em seu testamento, instruções e uma imensa fortuna para que se formasse a Sociedade dos Ruivos, que desse oportunidades de trabalho para homens ruivos. Ele desejava, como disse em seu testamento, que se oferecesse aos ruivos sempre um trabalho simples e muito bem pago.”

[III]

“Mas como assim? Não entendo bem: há certamente milhões de homens ruivos espalhados pelo mundo, e certamente não há posições na Sociedade do Sr. Hopkins para todos eles”, eu disse. 
  “‘Na verdade, não se trata de todo o conjunto dos homens ruivos’, explicou-me Vincent. ‘O Sr. Hopkins desejou que a Sociedade se limitasse aos ruivos da cidade de Londres, e que só ingressassem nela homens adultos. Isto porque esse milionário americano era nascido em Londres, e desejava fazer algo de bom à sua cidade natal, que ele muito amava. Além disso, há um detalhe importante: ouvi falar que um dos requisitos principais para o ingresso na Sociedade é o de que a cor dos cabelos não seja apenas ligeiramente ruiva, ou tampouco demasiadamente ruiva. É preciso que eles sejam ruivos exatamente como os do senhor, isto é, de
uma cor ruiva inconfundível e brilhante. É por essa razão que eu tenho certeza, Sr. Wilson, de que o senhor poderia facilmente ingressar na Sociedade dos Ruivos — supondo, é claro, que o senhor se interesse por isso.’”
  “Bem, cavalheiros, é de fato inegável que eu tenho os cabelos ruivos, e foi por isso que eu imaginei que seria capaz de ingressar na Sociedade do Sr. Hopkins e ganhar esse dinheiro extra de que tanto necessitava. Como meu ajudante Vincent parecia estar bastante informado acerca da Sociedade, pedi-lhe que me acompanhasse, na segunda-feira seguinte, até o endereço indicado no anúncio. Pois bem, Sr. Holmes, saiba o senhor que fomos àquele local no dia marcado, e que eu fiquei muito impressionado com o que então pude ver. Tive a impressão de que todos os londrinos que possuíam os cabelos ligeiramente arruivados haviam comparecido à Rua Fleet, com a intenção de obter aquele emprego. A rua estava inteiramente tomada por uma enorme multidão, e havia ainda uma fila de pessoas à espera, que se arrastava por todo um quarteirão. Quando vi todos aqueles homens ali reunidos, tive vontade de desistir imediatamente daquela idéia de ingressar na Sociedade e quis voltar para casa. Vincent, porém, insistiu em que eu permanecesse, encorajando-me muito ao fazer uma observação: eu era um dos poucos homens que, em meio àquela multidão, possuíam os cabelos realmente ruivos e brilhantes. Por fim, muito convicto, ele mesmo tomou a iniciativa de abrir caminho em meio à multidão, mesmo recorrendo aos empurrões e às cotoveladas , até que conseguimos chegar aos pés da escada que dava acesso ao escritório da Sociedade. A visão que tive então também era bastante desoladora. Havia ali apenas duas fileiras de homens: uma dos que entravam esperançosos no escritório, e outra dos que dele saíam, com um ar de desespero.”
  “De fato isso é muito, muito interessante”, disse Holmes.
  “Queira continuar, por favor, Sr. Wilson.”
  “No interior do escritório, não havia nada senão algumas poucas cadeiras e uma mesa. Atrás dela, estava sentado um homem de cabelos ruivos, ainda mais brilhantes do que os meus. Ele sempre dizia algumas palavras gentis a cada homem que se apresentava, mas era depois muito exigente: logo descobria um defeito no candidato e já o dispensava. Percebi então que obter aquela posição não era, afinal, algo simples como podia parecer. Porém, quando chegou a minha vez, aquele homem deu a impressão de ter ficado muito interessado; ele fechou a porta atrás de mim, de modo que pudéssemos conversar com maior privacidade.”
  “‘Eu tomo a liberdade de apresentá-lo ao Sr. Wilson’, disse Vincent Spaulding, que havia permanecido comigo; ‘ele gostaria de ocupar a vaga que está sendo oferecida na Sociedade dos Ruivos.’”
  “‘Muito bem, parece que os cabelos dele têm, de fato, a cor certa’, ele respondeu. ‘Confesso que estou muito impressionado: não me recordo de ter visto, jamais, cabelos ruivos de uma cor tão perfeita.’ E então ele recuou um pouco, afastando-se um passo e examinando-me com toda a atenção durante mais de um minuto. Depois disso, estendeu-me a mão e cumprimentou-me efusivamente.”
  “‘O senhor vai me desculpar’, ele prosseguiu, ‘mas tenho ainda de tomar uma precaução’. E então, de repente, ele agarrou os meus cabelos com suas duas mãos e começou a puxá-los; ele os puxou tanto e tanto que, ao final, eu gritei de dor. ‘Estou vendoque há verdadeiras lágrimas nos seus olhos’, ele disse quando os
soltou. ‘Já basta, está tudo muito bem. O senhor sabe, nós temos de ser muito cuidadosos na seleção dos candidatos, pois já nos enganaram algumas vezes por meio de cabelos artificiais ou mesmo com tingimentos.’ Ele foi então até a janela e gritou à multidão, que ainda aguardava na rua, que a vaga já havia sido preenchida. Houve então muitos gritos de desapontamento, mas logo depois os homens se retiraram, um por um, até que as únicas cabeças ruivas que permaneciam à vista fossem a do gerente do escritório e a minha própria.”

[IV]

  “Então ele se apresentou mais delicadamente: ‘Meu nome é Duncan Ross’, disse, ‘e eu também sou um membro da Sociedade dos Ruivos.’”
  “Ele perguntou-me se eu era casado e, quando respondi que era solteiro, ele disse com uma voz grave e triste:
  “Sinto muito ouvir o senhor falar uma coisa dessas. A Sociedade realmente dá preferência a homens casados, pois ela tem outro importante objetivo, o de que seus membros tenham filhos ruivos. Mas... quem sabe... talvez eles possam aceitá-lo mesmo assim.”
  “Esclareci a ele também que eu já possuía uma atividade em minha casa de penhores e que estaria sempre ocupado durante uma parte do dia, mas Vincent Spaulding me interrompeu então, dizendo que teria muito prazer em me substituir na loja, para que eu pudesse aceitar todo o período de trabalho na Sociedade.”
  “Qual será o horário de trabalho?”, perguntei.
  “Das dez da manhã às duas da tarde, todos os dias.”
  “Bem, uma vez que o meu trabalho na loja é feito principalmente à tarde, e já que eu tinha muita confiança em Vincent Spaulding, sabendo que ele poderia facilmente desempenhar a minha função durante a minha ausência, aquela proposta do Sr. Ross pareceu-me muito conveniente e satisfatória.” 
  “Isso se adapta perfeitamente à minha situação”, eu lhe disse. “E qual será o pagamento?”
  “Quatro pounds por semana.”
  “E qual é o trabalho que deverei fazer?”
  “‘O trabalho é realmente muito simples’, respondeu. ‘O senhor terá de estar neste escritório das dez horas da manhã às duas horas da tarde, como lhe disse, todos os dias. Se o senhor sair do escritório durante esse período, perderá imediatamente, de modo definitivo, sua posição na Sociedade. Durante o seu tempo de trabalho, o senhor terá simplesmente de copiar páginas da Enciclopédia Britânica. O senhor vai começar pelo primeiro volume, o da letra “A”, e deve trazer consigo sua própria canetatinteiro, mais papel e tinta. O senhor acha que estaria pronto para já começar amanhã mesmo?’”
  “Sim, com certeza”, respondi.
  “Então está tudo acertado. Até breve, Sr. Wilson. Permita-lhe dizer apenas que o considero um homem muito afortunado, por ter sido admitido na Sociedade dos Ruivos.” Então fizemos um aperto de mãos, e fui para casa, na companhia de meu ajudante, sentindome muito bem e muito feliz com a minha própria sorte.
  “Ao entardecer, porém, quando me pus a refletir sobre tudo o que ocorrera, eu já não estava tão contente assim. Parecia-me na verdade ridículo que alguém se dispusesse a me pagar aquele salário de 4 pounds por semana — que era, afinal, uma quantia de dinheiro considerável — simplesmente em troca da minha presença num escritório, quatro horas por dia, a fim de que eu copiasse verbetes da Enciclopédia Britânica. Eu achei que alguém deveria estar tentando, com isso, pregar-me uma peça, ou fazer-me de bobo, os senhores entendem?”
  “Sim, entendemos sua preocupação”, disse eu imediatamente.
  “Entretanto Vincent Spaulding, meu assistente, disse-me que tinha certeza de que tudo estava bem, e de que não havia nada com que eu deveria me preocupar. Suas impressões me tranquilizaram bastante, de modo que, no dia seguinte, resolvi experimentar aquele trabalho, ainda que não estivesse certo de dever aceitá-lo.
Comprei tinta, papel, uma nova caneta, e dirigi-me ao escritório da Rua Fleet.”
  “Bem, devo dizer aos senhores que, para a minha grande surpresa, tudo transcorreu de uma maneira correta e muito satisfatória. A mesa do escritório já estava pronta para o meu trabalho, e o Sr. Duncan Ross estava lá à minha espera. Ele deu-me o volume da Enciclopédia Britânica com letra ‘A’ para começar a copiar e, de tempos em tempos, vinha dar uma olhada em meu trabalho para ver como é que eu estava me saindo. Às duas horas da tarde, em ponto, ele veio despedir-se de mim, dizendo que meu expediente6 estava encerrado naquele dia e que ele estava muito contente com o meu primeiro dia de trabalho.”
  “O mesmo ocorreu nos dias seguintes. No sábado, o Sr. Ross veio até mim e pagou-me integralmente o salário de 4 pounds referente àquela semana. Fiquei, então, naturalmente muito feliz com o andamento de todas as coisas. À medida que o tempo prosseguia, o Sr. Ross vinha me ver com uma freqüência cada vez menor, até que, por fim, ele só raramente aparecia no escritório, a não ser aos sábados, quando vinha pagar-me, coisa que jamais deixou de fazer, e com toda a pontualidade. Assim sendo, eu nunca pensei em deixar o escritório sequer um momento durante o meu expediente, pois tinha, naturalmente, muito medo de perder aquela excelente posição que havia conquistado na Sociedade dos Ruivos.”

[V]

  “Bem, meu trabalho na Sociedade dos Ruivos prosseguiu normalmente e oito semanas se passaram, exatamente desse mesmo modo. Eu já havia copiado quase todos os verbetes da Enciclopédia Britânica que estavam sob a letra ‘A’, e estava ansioso por começar a cópia do volume da letra ‘B’ quando, subitamente, de um dia para o outro, todo aquele trabalho acabou.”
  “Como assim? Acabou?”
  “Sim senhor, acabou! Uma manhã eu fui para o trabalho, como já havia me habituado, às dez horas, mas a porta do escritório estava trancada. Nada havia no local, a não ser um pequeno cartaz colado à porta. Aqui está também o cartaz, eu o trouxe para que vocês pudessem lê-lo com os próprios olhos.”
  Ele nos ergueu um pedaço de papel branco, no qual se lia o seguinte:
A Sociedade dos Ruivos foi extinta.
9 de outubro de 1890

  Sherlock Holmes e eu lemos aquele cartaz com toda a atenção, e examinamos também o verso do papel. Olhamos umpara o outro durante um momento, e então o lado cômico da história acabou sobrepujando naquele instante todas as considerações que poderíamos fazer, até que nós dois explodimos, irresistivelmente, em sonoras gargalhadas.
  “‘Eu não vejo nada muito engraçado nisso tudo’, disse o Sr. Wilson, irritando-se ligeiramente com as nossas risadas. ‘Se os senhores nada podem fazer nesse caso, a não ser rir de mim, eu posso perfeitamente procurar outro detetive.’”
  ‘“Não, não, de modo algum’, interveio Holmes, desculpandose. ‘Estou de fato interessadíssimo pelo seu caso. Ele é absolutamente incomum, asseguro-lhe. Mas ele também tem, igualmente, o senhor há de convir, um lado humorístico. Mas conte-me, quais foram as ações que o senhor tomou a seguir?’”
  “No início, para ser franco, eu não sabia bem o que fazer. Eu fui a alguns dos outros escritórios que há no mesmo edifício do número 7 da Rua Fleet, mas em nenhum deles consegui nenhuma informação acerca do fechamento do escritório da Sociedade. Dirigi-me, então, ao proprietário do edifício: ele me disse que jamais tinha ouvido falar da tal Sociedade dos Ruivos. Pergunteilhe, então, quem era o Sr. Duncan Ross: ele me disse que esse nome era inteiramente desconhecido dele.” Resolvi fazer-lhe então a mesma questão de um outro modo:
  “Refiro-me ao senhor que ocupava a sala de número 4 do edifício, e que aí possuía um escritório.”
  “Ah, aquele senhor de cabelos ruivos?”
  “Exatamente”, disse-lhe eu, já com certa impaciência.
  “‘Oh, o seu nome era William Morris’, disse-me o proprietário, ‘ele era um advogado e estava servindo-se da sala de número 4 como um local temporário de trabalho, até que terminasse a construção de seu escritório.’”
  “E onde é que eu posso encontrá-lo agora?”
  “Oh, creio que no novo escritório que ele tem. Se não me engano, ele deu-me seu novo endereço. Sim, aqui está: Rua King, número 17.”
  “Eu parti imediatamente para aquele local, mas quando cheguei ao número 17 da Rua King... tratava-se na verdade de um edifício de uma enorme fábrica, e ninguém sabia me dizer nada a respeito de um senhor chamado William Morris ou Duncan Ross.”
  “O que foi que o senhor resolveu fazer, então?”, perguntou Holmes.
  “Eu simplesmente fui para minha casa e conversei com meu ajudante, Sr. Vincent Spaulding, sobre todo o ocorrido. Ele tranqüilizou-me mais uma vez, dizendo-me que tinha certeza de que eu iria receber pelo menos um comunicado da Sociedade pelo correio. Disse-me, em resumo, que na sua opinião eu deveria esperar. E é o que tenho feito desde então; mas confesso que eu não gostaria de perder, neste ínterim, uma posição tão  boa como essa que havia conquistado. Além disso, Sr. Holmes, decidi vir procurá-lo e consultá-lo porque ouvi falar que o senhor às vezes ajuda pessoas pobres a resolver os problemas que têm. Isso é tudo o que eu tinha a dizer ao senhor, creio eu.”
  “O senhor foi muito sábio, e agiu muito bem”, disse Holmes. “Estou certo de que poderei ajudá-lo. O seu caso é extremamente incomum, e eu acho que talvez se trate de um assunto muito mais sério do que o senhor imagina.”
  “‘Mas já é muito sério’, insistiu Wilson, ‘pois eu perdi um trabalho que me pagava muito bem.”’
  ‘“O senhor tem toda a razão’, disse Holmes gentilmente. ‘Agora, tenha a gentileza de me contar algumas coisas a respeito desse seu ajudante, Vincent Spaulding, pois estou muito intrigadocom ele. Quanto tempo fazia que ele já trabalhava para o senhor quando ele lhe trouxe este anúncio da Sociedade dos Ruivos?”’
  “Cerca de um mês.”
  “Como foi que ele se apresentou ao senhor?”
  “Em resposta a um anúncio de emprego que eu fizera.”
  “Ele foi o único candidato que se apresentou em resposta ao anúncio?”
  “Não, havia cerca de uma dúzia de pessoas.”
  “E por que o senhor o escolheu, preferindo-o aos demais?”
  “Porque ele me pareceu muito capaz e porque se dispôs a trabalhar recebendo apenas a metade do salário usual para aquele emprego.”
  “Como ele é fisicamente, Sr. Wilson, esse tal de Vincent Spaulding?”
  “Ele tem baixa estatura, é muito ligeiro em seus movimentos e tem muito pouca barba em seu rosto, embora esteja, acho eu, com cerca de trinta anos de idade. Ele tem também uma mancha clara em sua fronte, produzida pela queda de um ácido sobre a sua pele.”
  Nesse momento, Holmes endireitou-se em sua cadeira, demonstrando uma grande excitação. “Eu acho que conheço esse homem”, disse. “Ele não tem as orelhas furadas, a fim de poder usar brincos?”
  “Sim, é verdade, ele tem.”
  “Muito bem”, disse Holmes. “Ele ainda trabalha para o senhor?”
  “Sim, e ele continua desempenhando as suas funções perfeitamente”, disse Wilson.
  “Isso já é o bastante, Sr. Wilson”, disse Holmes. “Eu terei grande satisfação em dar um parecer ao senhor daqui a um ou dois dias — provavelmente na segunda-feira próxima. Despeço-me aqui do senhor. Até lá, e passe bem!”

[VI]

  Depois que o Sr. Wilson havia partido, Holmes me perguntou: “Bem, meu caro Watson, o que você pensa de tudo isso?”
  “Não consigo compreender essa história”, respondi. “É com certeza um caso muito misterioso.”
  “Em regra7, os casos misteriosos são normalmente os fáceis de serem resolvidos. Os casos que parecem simples são freqüentemente os mais difíceis.”
  “E o que você está pensando em fazer, então?”, perguntei.
  “Francamente, estou pensando em fumar. Vou fazer isso durante cerca de uma hora, enquanto reflito sobre esse caso.”
  Holmes sentou-se recolhidamente em sua cadeira e acendeu seu cachimbo. Curvado sobre si mesmo, de olhos fechados, seus joelhos chegavam perto de seu nariz, curvo como o de uma águia. Deixei-o então sozinho por algum tempo, até que, de repente, ele levantou-se num sobressalto e, decidido, me disse:
  “Venha comigo, Watson. Há um grande violinista, Sarasate, que se apresenta esta noite na cidade, no Teatro Saint James. Reparei que há muita música alemã no programa, que é mais do meu gosto do que a italiana ou a francesa. Tenho certeza de que você poderá, durante algumas horas, se esquecer um pouco de seus pacientes, não é mesmo?”
  “Não há problema. Tenho poucas coisas a fazer hoje”, disse.
  “Então vista seu chapéu, seu casaco, e me acompanhe.
Primeiro, vamos fazer o caminho da Praça Coburg, onde nosso amigo Wilson tem sua casa de penhores. Eu quero dar uma passada de olhos em toda a vizinhança do Sr. Wilson.”
  Fomos então pelo metrô até Aldersgate. A partir daí, caminhamos para a Praça Coburg, onde logo avistamos a loja de Wilson. Ela ocupava um dos muitos sobrados do local, todos dando logo a impressão de serem malconservados e sujos. Sherlock Holmes parou à frente da loja e a examinou inteira, cuidadosamente. A seguir ele caminhou lentamente pela rua, remontando até a esquina e examinando todas as casas vizinhas. Então ele retornou à loja de Wilson e bateu com sua bengala na calçada, por três vezes. Por fim, ele encaminhou-se subitamente à entrada da loja e bateu à porta. Imediatamente ela foi aberta por um jovem bem barbeado, de olhar aceso e esperto, que o convidou a entrar.
  ‘“Muito obrigado’, disse Holmes, ‘eu apenas gostaria de lhe perguntar como faço para ir daqui ao teatro Strand.”’
  “É simples: caminhe três quarteirões e vire à direita, depois caminhe mais quatro e vire à esquerda”, respondeu prontamente o jovem, e fechou a seguir a porta.
  ‘“Rapaz muitíssimo vivo, esse’, disse-me Holmes, enquanto partíamos caminhando. ‘Ele é, na minha opinião, um dos quatro homens mais espertos que há em toda a cidade de Londres — e pela sua ousadia talvez mereça até o terceiro lugar. Eu já soube, antes, algumas coisas dele.’”
  ‘“Aparentemente, o Sr. Vincent Spaulding tem um importante papel nesse mistério da Sociedade dos Ruivos’, eu disse. ‘Suponho que você tenha batido à porta da loja a fim de poder conhecê-lo, não?’”
  “Não quis ver a ele, propriamente.”
  “Então o que você quis ver?”
  “Os joelhos das calças dele.”
  “Como assim? O que você viu neles?”
  “Exatamente aquilo que eu esperava ver.”
  “E por que bateu com sua bengala sobre a calçada?”
  “Meu caro Dr. Watson, agora é hora de observar, não de conversar. Note que nós estamos em território inimigo, e que precisamos ser cuidadosos. Vamos dar apenas mais uma olhada nas redondezas.”
  Dobramos a esquina e chegamos a uma rua muito
movimentada, que contrastava inteiramente com a rua em que se situava a loja do Sr. Wilson. Havia muito tráfego e um fluxo constante de pessoas que passavam apressadas por ela.
  “Deixe-me ver bem isso”, disse Holmes, ficando de pé na esquina, parado, e examinando toda aquela rua. “Gostaria de me lembrar mais tarde da exata ordem dos edifícios desta rua. Sabe, é um passatempo meu adquirir um conhecimento exato das ruas de Londres. Bem, em primeiro lugar há ali uma tabacaria, e depois a pequena loja de jornais, e a seguir o Banco da Cidade, o restaurante vegetariano, etc. Muito bem, acho que fizemos bastante bem nosso trabalho, e eu vi exatamente aquilo que esperava ver. Portanto, está na hora de comermos um lanche e tomar um café, e a seguir ir ouvir aquele violinista de que lhe falei. Na terra dos violinos, tudo é doçura, delicadeza e harmonia, e nela não há clientes de cabelos ruivos para nos aborrecer com as suas bobagens.”
[VII]

  Sherlock Holmes era verdadeiramente um grande amante de música, e ele próprio sabia tocar bem o violino. Era compositor também, e de mérito superior ao de um compositor comum. Durante toda aquela tarde, ele sentou-se numa poltrona das primeiras fileiras do teatro; percebia-se então que, acompanhando com seus dedos os compassos da música, estava plenamente feliz. Nesses momentos, ele não se parecia de modo algum ao Holmes caçador, astuto, implacável detetive criminalista que era. Diante da música, ele assumia ares lânguidos10 e sonhadores. Em sua personalidade, uma dupla natureza se alternava, e eu percebia que a extrema perspicácia e exatidão de seu raciocínio representavam uma reação contra a disposição poética e contemplativa que, de tempos em tempos, nela predominava. Assim, eu sabia que aquela postura de meu amigo não duraria muito tempo e que em breve ele mudaria novamente. Na verdade, depois de um tal período de repouso e de ausência de atividade, ele estaria revigorado e até mais pronto para lançar-se ao trabalho que tinha de fazer. “Não há dúvida, Doutor Watson, de que você está querendo ir
para a sua casa”, ele disse ao sairmos do teatro.
  “É verdade, eu gostaria de ir para casa”, respondi.
  “Eu, da minha parte, tenho alguns afazeres que me vão tomar algumas horas. Ouça, esse caso da Praça Coburg é muito sério. Alguém planejou um crime tremendo. Acredito que ainda teremos tempo de impedir que ele aconteça. Ocorre que hoje é sábado, e isso na verdade vai complicar ainda mais as coisas. Eu vou  precisar do seu auxílio esta noite, Watson.”
  “A que horas nos encontramos?”, perguntei-lhe prontamente.
  “Às dez horas está bem. Acredito que teremos então tempo suficiente.”
  “Está acertado. Estarei no seu apartamento às dez.”
  “Muito bem. Devo dizer também, Doutor, que talvez haja um certo perigo no que vamos fazer. Não se esqueça, portanto, de trazer consigo seu revólver.” E então Holmes sorriu, virou-se e foi embora, desaparecendo rapidamente na multidão.
  Bem, espero não ser menos inteligente que os meus semelhantes, mas devo dizer que, sempre que trabalhava com Sherlock Holmes, sentia-me oprimido pela consciência de minha própria estupidez. Sentia-me, de fato, muito inferior a ele. Eu ouvira o mesmo que ele havia ouvido, vira exatamente o mesmo que ele havia visto e, mesmo assim, suas palavras tornavam evidente que não apenas ele já sabia o que se havia passado, como também aquilo que estava prestes a acontecer. E, para mim, todo o caso continuava ainda muito obscuro. Enquanto fazia o caminho de casa, refleti sobre toda a história do Sr. Wilson, repassando-a do início ao fim, mas não consegui depreender o sentido que ela guardava. Afinal, aonde é que iríamos naquela mesma noite, e por que é que eu precisava levar comigo meu revólver? Em meio a minhas muitas dúvidas, a única impressão que permanecia clara era a de que o ajudante do Sr. Wilson era uma pessoa temível, capaz de tudo, e essa impressão também me vinha, afinal, da maneira como Holmes se referia a ele.
  Já passava das nove horas quando saí de casa, atravessei o parque e segui pela Rua Oxford até chegar ao apartamento de Holmes. Já no corredor, ouvi vozes vindo de cima, e, ao entrar no quarto de Holmes, encontrei-o numa conversa animada com dois homens. Um deles, reconheci-o como sendo Peter Jones, o inspetor oficial da polícia. O outro, que eu desconhecia, era um homem de rosto magro e triste, que portava um chapéu negro e estava metido numa respeitável sobrecasaca.
  “Bem, nosso grupo parece estar completo”, disse Holmes, vestindo imediatamente seu casaco e seu chapéu. “Watson, creio que você já conhece o Sr. Jones, da Scotland Yard. Permita que eu lhe apresente agora o Sr. Merryweather, que vai nos acompanhar na aventura desta noite.”
  “Eu espero que a nossa aventura não se revele, ao final de contas, uma aventura insana”, disse o Sr. Merryweather, com uma certa descrença.
  “O senhor pode confiar muito no Sr. Holmes”, disse ao Sr. Merryweather o agente da polícia, Peter Jones. “Sherlock Holmes tem seus próprios métodos de trabalho, que são na minha opinião um pouco teóricos e às vezes fantásticos demais. Mas ele é um excelente detetive e sei que não vai decepcioná-lo. Sei também que ele não vai se importar com o fato de eu exprimir, deste modo, minha opinião sobre o seu trabalho.”
  “Ora, se o senhor diz essas coisas, Sr. Jones, está tudo perfeito”, disse o Sr. Merryweather. “O que lamento é que hoje é sábado, e esta é a primeira noite de um sábado em que, em vinte e sete anos, deixo de jogar cartas habitualmente com meus amigos”.
[VIII]

  Sherlock Holmes não perdeu a oportunidade de comentar com humor o que dissera num tom de lamento o Sr. Merryweather: “Eu acho que o senhor haverá de jogar esta noite um jogo muito mais interessante do que o seu carteado14 habitual”, disse. “O senhor vai ganhar neste jogo uma quantia de dinheiro muito maior, Sr. Merryweather. E você, Jones, vai finalmente capturar o homem que está procurando há tanto tempo.”
  “Sim, John Clay, o grande ladrão, falsário e assassino!”, disse Jones. “Ele é bastante jovem, Sr. Merryweather, mas é o homem mais astuto em sua profissão. Ele é, sem dúvida alguma, um homem excepcional! O seu avô era um nobre, um duque da Casa Real, e o neto estudou na Universidade de Oxford! A sua mente é tão ágil quanto os seus dedos, e, apesar de eu ter encontrado muitos sinais de seus crimes, nunca fui capaz de pôr minhas mãos nele. Há anos que o persigo, mas nunca o vi.”
  “Espero que eu tenha o prazer de apresentá-lo esta noite a você, Jones”, disse Holmes. “Bem, agora já passa das dez, e é preciso que comecemos nosso trabalho. Proponho que façamos o seguinte: vocês dois apanham o primeiro tílburi, e eu e Watson os seguimos no segundo, certo?”
  O percurso foi longo, e durante a viagem Holmes não falou muito. Explicou-me, porém, que o Sr. Merryweather era diretor do Banco da Cidade e que, portanto, estava muitíssimo interessado na aventura daquela noite. Disse-me também que havia chamado Jones porque julgou que seria melhor ter a companhia de um agente da Scotland Yard. Holmes considerava o agente policial, entretanto, um completo imbecil em sua profissão.
  Finalmente, chegamos a uma rua movimentada, a mesma que havíamos visitado pela manhã. Despachamos os nossos tílburis e fomos então diretamente para a frente do Banco da Cidade. Seguindo o Sr. Merryweather, passamos por um corredor estreito e por uma porta lateral, que ele nos abriu com suas próprias chaves, e entramos no edifício.
  Passamos por outro corredor que terminava numa enorme porta de ferro, que também nos foi aberta pelo Sr. Merryweather. O diretor do Banco acendeu uma lanterna e então nos conduziu por outra passagem, escura e úmida; depois de abrir uma última porta, entramos num porão fundo, todo feito de pedras, onde havia muitos caixões empilhados uns sobre os outros.
  “O senhor está seguramente protegido de qualquer ladrão que tente chegar aqui vindo de cima”, disse Holmes.
  “E também de baixo”, disse o Sr. Merryweather, batendo fortemente com sua bengala sobre o chão de pedra a seus pés.
  “Pelos céus, o chão soa como se nenhuma terra houvesse embaixo dele!”
  “Eu devo de fato pedir ao senhor que fale mais baixo”, disse Holmes de um modo severo. “O senhor quase pôs a perder todo o nosso plano com sua atitude. Eu lhe peço que se controle e que se sente sobre um desses caixões. Espere pacientemente, sim?”
  O Sr. Merryweather obedeceu ao pedido, e Holmes agachouse e começou a examinar com sua lupa, cuidadosamente, as pedras do solo. Não se demorou nisso e, logo a seguir, ergueu-se novamente e guardou a lupa em seu bolso.
  “Vamos ter de esperar pelo menos uma hora”, ele disse, “pois eles provavelmente não tentarão fazer nada antes que o Sr. Wilson vá dormir. Mas, uma vez que ele tenha ido para o seu quarto, eles não perderão mais nenhum minuto, isso porque, se eles agirem rápido, terão conseqüentemente mais tempo para escapar. É claro que você percebe, Dr. Watson, que estamos na parte subterrânea do grande Banco da Cidade de Londres. O Sr. Merryweather pode explicar bem a você por que razão os ladrões de Londres estão todos interessadíssimos em entrar, no momento, neste porão.”
  “É por causa do ouro francês que está guardado aqui”, disse Merryweather.
  “Ouro francês?”, perguntei.
  “Sim. Tivemos a oportunidade, há dois meses, de fortalecer os recursos de nosso Banco, e fizemos, com esse objetivo, um empréstimo de 30.000 napoleões do Banco da França. O dinheiro ainda está guardado nestes mesmos caixões sobre os quais estamos sentados. Nossas reservas de dinheiro são atualmente muito maiores do que as que costumamos guardar”, disse Merryweather.
  “Está na hora de prepararmos nossos planos”, disse Holmes.
  “Creio que dentro de uma hora teremos um pouco de ação por aqui. Precisamos apagar as luzes e permanecer no escuro, em silêncio, bem escondidos detrás dessas caixas. Quando eles chegarem, aguardem que eu tome a iniciativa, entendido? Se for preciso, vou ofuscar os olhos deles com a luz, e saltaremos todos então rapidamente sobre eles. Se eles atirarem, não tenha nenhum receio de abatê-los, Watson, e use imediatamente o seu revólver.”
[IX]

  Todos obedeceram às instruções de Holmes e se esconderam detrás das grandes caixas. As luzes foram apagadas, fez-se completamente a escuridão e houve, a partir daí, um sentimento de grande tensão e ansiedade entre todos nós. Eu, da minha parte, apoiei meu revólver sobre a tampa de um caixão, e permaneci de pé esperando em silêncio.
  “Só há uma maneira de eles escaparem daqui”, disse Holmes.
  “Voltando pelo túnel para a loja do Sr. Wilson. Espero que você tenha feito o que lhe pedi, Jones.”
  “Não se preocupe, Holmes, eu enviei um inspetor e dois policiais para ficarem de prontidão18 à porta da loja do Sr. Wilson”, respondeu Jones.
  Holmes, com uma expressão mais tranqüila, disse: “Então conseguimos bloquear todas as saídas. Devemos, agora, ficar em absoluto silêncio e esperar.”
  O tempo dava-me, então, a impressão de passar cada vez mais devagar. Embora não houvesse transcorrido, desde que apagamos as luzes, muito mais do que uma hora, eu já me sentia como se a noite inteira tivesse passado, e como se em breve a luz do sol viesse de novo nos despertar e cobrir a cidade. Sentia minhas pernas extremamente cansadas, e, para agravar meu desconforto, tinha receio de mudar a posição de meu corpo e, com isso, produzir algum ruído que pusesse toda a estratégia de Holmes a perder. Então, subitamente, vi um pequeno fio de luz se projetar no solo do porão. No início, era muito fraco e pequeno, mas logoganhou intensidade e se estendeu pelo chão. A luz vinha de um dos lados de uma das pedras que compunham o piso, e todos olhávamos para ela com os olhos fixos e a respiração presa. Nos primeiros momentos que se seguiram, foi como se tudo parasse; de repente, ouvimos um som alto e ruidoso: uma das pedras do piso havia sido erguida e removida para um dos lados.
  Víamos agora uma luz forte que saía do buraco aberto no piso do porão. Logo a seguir, a cabeça de um homem aparecia, saindo daquele buraco do piso: era um jovem. Todos nós nos controlávamos aguardando a ação de Holmes. Com esforço, o jovem pôs suas mãos nas bordas do buraco, e com agilidade, firmando-se no solo, conseguiu erguer todo seu corpo para fora do buraco. Num gesto rápido, ele se pôs de pé e olhou ao redor, sem que nos conseguisse ver, e ficou por um momento ao lado do buraco de onde saíra. Então agachou-se, inclinou se e, com seus braços, ajudou outro homem a subir e sair para fora daquele buraco. Esse segundo homem tinha os cabelos ruivos e brilhantes como os do Sr. Wilson.
  “Pode vir, está tudo calmo. Você tem com você os sacos e as ferramentas?”, sussurrava ainda o primeiro homem, quando Holmes saltou sobre ele, pegando-o pela gola. “Pelos céus! Depressa, Archie, fuja!”, foi a reação que ele teve, gritando. O segundo homem atirou-se de volta ao buraco, antes que Jones pusesse as mãos nele. O primeiro homem tinha ainda um revólver nas mãos, mas Holmes desarmou-o imediatamente, atirando a arma ao chão com um gesto ágil de sua bengala.
  “Não adianta, John Clay”, disse Holmes, controlando a situação. “Você não tem nenhuma chance de escapar.”
  “É, estou percebendo isso”, respondeu friamente o outro, “mas acho que, por outro lado, meu companheiro já conseguiu fugir neste momento.”
  “Você pode ficar tranqüilo quanto a ele”, disse Holmes, “há três homens da polícia que o esperam à porta da casa do Sr. Wilson.”
  “Não diga! Vejo que você preparou tudo muito bem. Devo dar-lhe os meus parabéns.”
  “Eu o cumprimento também”, disse Holmes. “Sua idéia da Sociedade dos Ruivos foi muito criativa e inteligente.”
  “Você vai encontrar seu companheiro daqui a pouco”, interveio Jones. “Ele é mais ágil do que  eu para passar por um túnel. Vamos, estenda suas mãos para as algemas.”
  “Espero que o senhor não me toque com suas mãos imundas”, disse John Clay. “Creio que não sabe, mas tenho sangue real em minhas veias. Tenha a bondade, pois, de dizer ‘Sir’ e ‘por favor’ ao me dirigir a palavra.” Jones olhou-o com escárnio20 e levou-o para fora do porão, e nós os seguimos.
  “Realmente, Sr. Holmes”, disse o Sr. Merryweather, “não sei como o Banco pode recompensá-lo. Está provado que o senhor descobriu e derrotou dois criminosos perigosíssimos, evitando um roubo que com certeza estaria entre os mais audaciosos já praticados em Londres. O senhor nos poupou de uma grande perda.”
  “Para mim, foi acima de tudo um prazer capturar John Clay”, disse Holmes. “É verdade que tive alguma despesa para resolver este caso, mas estou certo de que o Banco irá restituir o que gastei. Já me dou por satisfeito com isso, e pelo fato de ter ouvido a extraordinária história da Sociedade dos Ruivos.”
[X]

  “Você vê, meu caro Watson”, dizia-me Sherlock Holmes na manhã seguinte, quando tomávamos um copo de uísque em seu apartamento da Rua Baker, “estava claro, desde o início, que essa história de copiar verbetes da Enciclopédia Britânica tinha, como único objetivo, afastar o Sr. Wilson de sua loja durante algumas horas todos os dias. Não há dúvida de que essa foi uma maneira muito curiosa de livrar-se do Sr. Wilson, mas na verdade seria difícil imaginar outro modo mais engenhoso21 de conseguir o seu afastamento. Com certeza, a idéia da tal Sociedade dos Ruivos ocorreu a John Clay pelo fato de tanto o seu companheiro quanto o Sr. Wilson terem cabelos ruivos. Os quatro pounds que tiveram de pagar por semana ao Sr. Wilson, em troca de seu trabalho de copista na Sociedade, eram um excelente atrativo para ele, além de ser uma quantia irrisória para eles, uma vez que estavam planejando um crime que lhes daria muito mais dinheiro.”
  ‘“A primeira coisa que despertou minha suspeita’, prosseguiu, ‘foi o fato de o empregado do Sr. Wilson ter aceitado trabalhar recebendo apenas a metade do salário a que teria direito. Estava claro assim que ele deveria ter uma razão muito forte para querer ficar nesse emprego, sobretudo sendo ele, como reconhecia o próprio Sr. Wilson, uma pessoa muito capacitada e que poderia trabalhar em outro local.’”
  “Mas como pôde você deduzir qual era a motivação do ajudante do Sr. Wilson?”, perguntei.
  “Se houvesse mulheres na mesma casa, eu logo suspeitaria de uma razão vulgar para o desejo do empregado de permanecer ali. Entretanto, nada disso havia. Por outro lado, os negócios do Sr. Wilson são muito modestos, e portanto não havia nada em sua casa que pudesse atrair os ladrões ou explicar as despesas e os longos preparativos que eles estavam fazendo. Concluí então que eles só poderiam ter interesse em algo que estivesse fora da casa. O que poderia ser? O Sr. Wilson observou que o seu ajudante se interessava muito por fotografia, e que passava muito tempo no porão da casa, revelando seus negativos. Pensei: há algo de estranho nessa permanência de seu empregado no porão. Era muito provável que ele estivesse fazendo algo às escondidas, talvez escavando um túnel que levasse a outro lugar.”
  “Já tinha chegado a essa conclusão quando fomos visitar a loja do Sr. Wilson. Sei que surpreendi você, ao bater algumas vezes com minha bengala na calçada em frente à loja. Na verdade eu estava tentando descobrir se o túnel estava sendo construído na direção da frente da loja, ou se conduzia para os fundos da casa. Quando toquei a campainha da loja e conversei com o empregado, o que me interessava não era vê-lo pessoalmente, mas sim ver as marcas de sujeira nos joelhos de suas calças, marcas que comprovavam que eles estavam sempre ajoelhados escavando um túnel no porão da casa. Pois bem, restava ainda descobrir por que razão eles estavam construindo um túnel. Quando dobramos a esquina, vi que o Banco da Cidade era vizinho, pelos fundos do terreno, da loja do Sr. Wilson. Percebi imediatamente que essa era a motivação dos ladrões: construir um túnel que levasse ao Banco. Quando você foi para casa, depois do concerto de música, eu fui à Scotland Yard e também à diretoria do Banco, e o resultado de tudo isso você mesmo viu.”
  “Sim, mas diga-me: como você adivinhou que os ladrões iam tentar assaltar o Banco ontem à noite?”, perguntei-lhe.
  “Bem, quando eles deram fim ao escritório da Sociedade dos Ruivos, isso significava que eles não precisavam mais afastar o Sr. Wilson de sua loja. Em outras palavras, eles já tinham concluído o túnel, que era o trabalho que faziam no porão da casa. Porém, eles tinham necessidade de agir rapidamente, pois corriam o risco de o túnel vir a ser descoberto e de o dinheiro vir a ser removido para um depósito em outro lugar. O melhor dia para o roubo seria logicamente o sábado, pois assim teriam dois dias para fugir, já que os bancos estão sempre fechados aos domingos.”
  “Você compreendeu tudo magnificamente!, exclamei com admiração. “É uma seqüência de eventos bastante longa, mas todos os elos se ligam perfeitamente.”
  “Esses pequenos problemas sempre me interessaram, e no fundo são bastante elementares. Eles me ajudam a fugir do tédio”, respondeu-me Holmes. “Sinto-o sempre ao redor de mim, e passo minha vida tentando escapar aos lugares-comuns da existência.”
  “Você é um benfeitor da raça humana”, eu lhe disse.
  E ele, dando de ombros, respondeu: “Bem, afinal de contas, talvez isso tenha alguma utilidade. ‘L’homme c’est rien — l’oeuvre c’est tout’ (tradução: O homem não é nada.), como Gustave Flaubert escreveu a George Sand.”